SAT parece ser onerar mais as empresas com maiores riscos aos empregados, e com mais acidentes de trabalho.
O Seguro de Acidente de Trabalho, ou “SAT”, como é mais conhecido, está previsto no inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal de 1988 (“CF/1988”) como um direito do trabalhador, que, em caso de eventual acidente, receberá determinada quantia devida pelo INSS para reparar o prejuízo causado[1]. Trata-se, portanto, de um mecanismo de reparação financeira em caso de acidente de trabalho.
Para financiar tal mecanismo, o inciso II do artigo 22 da Lei 8.212/1991 estabelece a cobrança de contribuição social devida pela empresa empregadora, com fundamento nos incisos I do artigo 195 e I do artigo 201 da CF/1988.
Referida contribuição é calculada da seguinte maneira: a alíquota varia entre 1%, 2% e 3% a depender do grau de risco atribuído ao tipo de atividade desempenhada pela empresa. Além disso, deve ser considerado o Fator Acidentário de Prevenção (“FAP”), o qual varia entre 0,5000 e 2,0000 a depender de múltiplos fatores, tais como índice de frequência, de gravidade, de custo e taxa média de rotatividade, bem como dados médios relativos às outras empresas do mesmo setor econômico, quais sejam, os percentis de ordem dos índices de frequência dos acidentes, gravidade desses acidentes e custo dos acidentes para a Previdência Social.
O FAP é aplicado como multiplicador da alíquota do SAT. Isso significa que a alíquota efetiva do SAT pode variar entre 0,5% e 6%.
Note-se que a lógica por trás da metodologia do SAT parece onerar mais as empresas que apresentam maiores riscos aos empregados e que, portanto, tenham maior ocorrência de acidentes de trabalho.
Nesse contexto, pode-se entender que o SAT na prática funcionaria de forma similar a um seguro: a contribuição corresponderia, de certa forma, ao prêmio e o acidente de trabalho seria equivalente ao sinistro. O valor garantido ao trabalhador a título do acidente de trabalho e pago pelo INSS corresponderia ao valor da indenização pago pela seguradora para fins de reparação do dano.
Entender alguns aspectos básicos de economia comportamental é crucial para a adequada compreensão do mercado de seguros e da analogia proposta. Um dos apontamentos básicos desse ramo da economia mostra que os indivíduos nem sempre são racionais e que o processo de tomada de decisões é feito de forma enviesada e conforme graus diferentes de aversão ou propensão ao risco[2]. A economia comportamental ainda indica a existência do chamado risco moral. No contexto dos seguros, esses conceitos trazem as seguintes implicações: indivíduos mais avessos ao risco tendem a buscar o seguro, justamente para evitar o risco de acidente. O quanto o indivíduo está disposto a pagar pelo prêmio e/ou valor da franquia varia conforme a sua percepção enviesada, e não conforme probabilidades exatas de eventos / acontecimentos, bem como varia de acordo com a forma com que a seguradora o aborda e contextualiza a proposta de seguros. E, uma vez segurado, surge o risco moral: o indivíduo passa a agir com maior displicência justamente porque, se ocorrer algo, o seguro vai ser acionado. Mas as seguradoras, obviamente, descobriram formas e mecanismos eficazes de reduzir o risco moral e induzir comportamentos melhores nos segurados.
Tendo essa analogia em mente, seria possível pensar em alguns interessantes ajustes ao atual modelo de cobrança do SAT.
Em primeiro lugar, chama a atenção que a legislação previdenciária, por meio do anexo V do Decreto 3.048/1999, elenca atividades desempenhadas por empresas e suas correspondentes alíquotas de SAT. Ocorre que a relação entre as atividades desempenhadas e sua alíquota SAT por vezes pode não representar o efetivo grau de risco[3]. Vale mencionar, por exemplo, as atividades relacionadas a “Manutenção e reparação de aparelhos eletromédicos e eletroterapêuticos e equipamentos de irradiação – CNAE 3312-1/03” ou de “Manutenção de aeronaves na pista – 3316-3/02”, ambas com alíquota de 1%, ou seja, menor grau de risco. Por outro lado, temos “Atividades de consultoria e auditoria contábil e tributária – CNAE 6920-6/02” com uma alíquota de 2%. Afinal, em regra sempre as atividades de consultoria representariam risco maior do que atividades de manutenção de aeronaves? Essa definição deveria ser estanque ou mais dinâmica, levando em consideração cada caso concreto?
Em segundo lugar, no que tange ao FAP, cabe notar que o seu cálculo, dentre outros aspectos, considera diversas empresas de um mesmo setor, sem que necessariamente as particularidades de cada empresas sejam devidamente ponderadas. Será que a definição da contribuição ao SAT não deveria ser um pouco mais personalizada para garantir a efetividade do seu propósito?
Em terceiro lugar, vale nesse sentido ponderar se a atual forma de cobrança do SAT de fato estimula as empresas a se esforçarem ao máximo a evitar acidentes de trabalho, ou seja, se o SAT poderia ser eventualmente redesenhado de forma mais próxima a um seguro.
O problema do risco moral, de certa forma, parece ocorrer: uma vez que já contribuem com o SAT, e o INSS vai a princípio arcar com o auxílio acidente, as empresas tendem a se esforçar menos para evitar acidentes de trabalho. Diferentemente dos mecanismos adotados pelas seguradoras, as Autoridades Fiscais não dispõem de grande instrumental para moldar ou induzir o bom comportamento das empresas.
As seguradoras contam com a expertise técnica que viabiliza uma visão mais individualizada com olhar nas características próprias de cada segurado. Assim, as seguradoras, no âmbito de suas atividades, costumam avaliar com muita cautela quem é o segurado e as peculiaridades envolvendo o bem segurado. Tanto é que, no caso de veículos, por exemplo, as seguradoras usualmente levam em consideração a idade, o gênero, o estado civil, o tipo de uso do veículo, o local de residência e de trabalho, o histórico de colisões, a pontuação na carteira de motorista, dentre outros, não apenas para precificar o seguro, mas também para reduzir o risco moral e impactar e direcionar certos comportamentos.
Nesse sentido, eventual reformulação do SAT para se aproximar mais de um modelo de seguro convencional poderia ser bastante interessante, trazendo ganhos tanto para os próprios empregados quanto para as empresas empregadoras e para o próprio INSS. As empresas poderiam ter incentivos específicos, como, por exemplo, a redução do prêmio quando realizarem investimentos inovadores em prevenção de acidentes. Outra opção seria também um desconto no valor da contribuição caso uma meta de número máximo de acidentes seja observada. São muitas possibilidades e grande o potencial de diminuição total no número de acidentes de trabalho.
Desse modo, a sensação que fica é o SAT poderia um dia assumir por completo o que de fato deveria ser, ou seja, um seguro, ficando aqui a sugestão para que se pense se valeria replicar os métodos do consolidado mercado securitário ou ainda permitir que as seguradoras atuem no setor, em substituição ao Estado, para garantir maior eficiência e condições mais adequadas a todos.
[1] Vale mencionar a possibilidade de o INSS ingressar com ação regressiva em face das empresas empregadoras para reaver os valores pagos em virtude de acidentes de trabalho em determinadas situações.
[2] PINDICK, Robert. RUBINFELD, Daniel. Microeconomia. 7ª ed. São Paulo: Editora Pearson, 2009, pp. 162-166.
[3] Vale mencionar que há discussão para afastar a aplicação do Decreto 3.048/1999 e garantir a recolher a alíquota praticada em 2009, antes da edição da referida norma, nos casos em que existam elementos para evidenciar que o grau de risco atribuído pelo Decreto não corresponde ao grau de risco efetivo do estabelecimento empresarial.
Fonte: JOTA Info, 29/01/2023.
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